Já conheço a Cristiana há tantos anos, que já lhes perdi a conta ‒ mas serão, certamente, quinze ou mais! Nunca fomos colegas de escola, e só vivemos na mesma cidade (o Porto) por um período relativamente curto. Conhecemo-nos por intermédio de amigos em comum, e ao longo de todo este tempo, o contacto foi sendo intermitente ‒ tenho que agradecer ao Facebook por me manter a par das muitas aventuras em que a Cristiana se vai metendo, porque, às vezes, é difícil manter-me atualizada: é, sem dúvida, uma das pessoas mais dinâmicas, criativas, desenrascadas e bem-dispostas que já conheci!
Pedi-lhe que me respondesse a algumas perguntas sobre o seu percurso, e sobre o seu grande projeto ‒ a "Saudade - Reciclagem de mobiliário" ‒, e nem hesitou! Gente generosa e de bem com a vida é mesmo assim!
Joana (J) - Como é que o restauro/conservação entrou na tua vida?
Cristiana (C) - A conservação e restauro entra na minha vida graças a uma professora do secundário, professora da Oficina de Artes, que nos mostrou o que era a conservação e restauro, e levou uma peça de cerâmica para as aulas. Desde logo, fiquei bastante interessada! Tanto que, depois, concorri para uma escola apenas com esta hipótese: Instituto Politécnico de Tomar, Escola Superior de Tecnologia, Curso de Conservação e Restauro! Se não entrasse aqui, não queria entrar em mais lado nenhum! Foi exactamente naquela aula que percebi o que queria ser; não havia volta a dar!
J - Como é que nasceu a "Saudade"? O que te levou a
escolher este nome?
C - A Saudade nasce da necessidade de trabalhar para
pagar contas! Pela primeira vez desde que tinha começado a trabalhar, tinha
ficado sem trabalho; estávamos no início do verão de 2012. Curiosamente, nasce do acaso:
uma amiga tinha-me arranjado trabalho a pintar os interiores da casa da mãe;
sim, pintura de casas! Mas os meus serviços logo se estenderam ao
aconselhamento de cores, decoração e aproveitamento de mobílias que eles iriam
deitar fora! Disse-lhes: "Por que não experimentarmos pintar estes móveis,
em vez de os deitarem fora? Pintamos com umas cores giras e alegres". A
ideia agradou-lhes e assim comecei! Eu já estava habituada, em casa, há muitos
anos, a reciclar os móveis velhos! Nessa mesma altura, comecei a ver boas peças
de mobiliário à beira do lixo e comecei a recolher... E pensei: "Por que
não começar a recuperar mobiliário velho dando um novo visual?". O vício
de recolher móveis nunca mais parou, ao ponto de eu ir de noite fazer rondas
pela minha zona, para ver se encontrava alguma coisa! E encontrava...! O nome
surge por duas razões: o meu primeiro grande cliente foi um vizinho que tinha
uma quinta com imensas peças de antiquário guardadas, e me pediu para restaurar
e reciclar conforme cada caso, e a quinta dele tinha o nome de Saudade. Este
facto juntou-se a outro: o meu primo, que é web designer, começou a estudar uma
imagem para a minha empresa ‒ que antes era a "Cris mudaste-me a casa",
mas obviamente que este nome teria de ser mudado, se isto ia tornar-se um
negócio sério ‒ e disse-me que o nome ideal para a minha empresa era Saudade,
por causa da vida nova que dava a móveis velhos, cheios de memórias de outros
tempos... Daí a saudade... E assim foi! Achei perfeito!

J - Se tivesses de escolher, preferias dedicar-te
exclusivamente ao restauro/conservação de arte, ou à reciclagem de mobiliário?
C - É uma pergunta extremamente difícil, contudo
consigo respondê-la de imediato: reciclagem de mobiliário. E esta só ganha ao restauro, porque este, neste momento, implica andar todos os fins de
semana de mochila às costas para um lugar qualquer, muitas das vezes para sítios
ermos onde só existe a capelinha. Sempre que há um trabalho novo ‒ de três ou
quatro meses, normalmente ‒ lá vou eu de casa às costas. Inicialmente tem a sua
piada; é maravilhoso conhecer o país como conheço, muito graças ao restauro, mas
ao fim de uns anos começa a cansar... Depois há a parte deontológica da
profissão de conservador-restaurador, onde não há lugar para a criatividade, ao contrário do que muitas pessoas pensam... Não somos artistas! A
recuperação de mobiliário ("reciclagem" começa a ser um termo em desuso) dá-me
toda essa liberdade criativa! Mas, de vez em quando, tenho de me dedicar ao
restauro, pois o bichinho está sempre cá!

J - Gostas mais de trabalhar sozinha ou de partilhar o teu
espaço de trabalho? Por quê?
C - Prefiro trabalhar sozinha! Tenho horários
estranhos; prefiro trabalhar à noite, por exemplo, e detesto ter de conciliar a
minha inspiração criativa com os horários de outra pessoa! Por outro lado, se
alguma coisa corre mal, eu sou a única a quem posso culpar...! [risos]
J - Sentes que o trabalho que fazes potencia a tua
criatividade? De que forma?
C - Claro que sim! Mesmo quando os clientes
já têm uma ideia predefinida de como querem uma peça de mobiliário, eu tento
sempre dar o meu toque pessoal, ou por exemplo superar desafios técnicos
propostos pelos clientes! Exemplo disso, são os tampos em acrílico feitos para
umas cadeiras! Nunca tinha trabalhado com acrílico, e mesmo sem saber, disse
logo que faria o trabalho! O gozo está mesmo em magicar e solucionar problemas,
muitas vezes de forma criativa!
J - Fala-me sobre dois projetos que te tenham dado especial
prazer.
C - Um dos projetos que me deu mais prazer foi o de um hotel em Lisboa, o Emporium Lisbon Suites, no qual, com as diretrizes da
designer Francisca Lima Mayer, tive de fazer, desde a escolha e compra das peças,
até à finalização de montagem no Hotel. Adorei participar no projeto
decorativo e conhecer duas das clientes mais queridas que tive até hoje! Um
outro projeto que me deu muito prazer, foi o tal das cadeiras com assento em
acrílico, pois tive de estudar as soluções e fazer uma aprendizagem autodidata
de como cortar acrílico, como o finalizar. E digamos que acabei por inovar no
modo de corte, e inventar uma forma ainda mais expedita de cortar acrílico
do que aquelas que se ensinavam na web!
J - Desde que começaste a trabalhar nesta área, o que de mais
inesperado (positivo ou negativo) já te aconteceu?
C - Com a Saudade, aprendi que felizmente ‒ para
compensar dois casos de clientes que correram menos bem ‒ existem pessoas que,
sem me conhecerem de lado nenhum, acreditam nas minhas capacidades e me dão
total liberdade para eu renovar peças suas, depositando uma enorme confiança, que eu tento sempre retribuir da
melhor forma! O mais inesperado é mesmo os elogios sobre o trabalho! Reconheço
as minhas capacidades, mas por vezes os elogios ainda me surpreendem...! O mais
inesperado que me aconteceu foi num trabalho que entreguei, em que eu achei que
a finalização não correu como eu queria, e ia preparada para fazer uma atenção
no preço, mas a cliente adorou e não aceitou essa atenção! Como diz a minha
mãe, sou exigente demais comigo, e por vezes fico insatisfeita com resultados
de técnicas novas que experimento, quando na verdade ficou bem feito!
J - Qual é a melhor parte de trabalhar por conta própria? E a
pior?
C - A melhor parte é o facto de eu gerir os meus
horários, ter uma liberdade maior, até mesmo na criatividade! Não ter de dar
satisfações constantemente é algo de que gosto bastante...! [risos] Por outro
lado, os encargos legais são muito pesados, a instabilidade de um ordenado é
complicada de gerir psicologicamente, e trabalho três vezes mais do que se
estivesse num trabalho "normal" com patrão. É preciso uma disciplina
muito grande, para gerir horários e não acabar por trabalhar fins de semana inteiros
(coisa que ainda não consigo proibir-me).
J - Que projeto estás ansiosa que apareça?
C - Estou ansiosa que me apareça um cliente com as
mobílias todas de uma casa para renovar, e que me dê 100% de liberdade para eu
as decorar e renovar como quiser! Seria um sonho!
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Decoração da Zona VIP do Festival MEO Sudoeste 2014 |
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Contactos:
Saudade - Reciclagem de Mobiliário (Cristiana Cera)
Telefone: +351919180817