terça-feira, 17 de março de 2015

A panela da sopa

O meu primeiro ‒ e, durante vários anos, único ‒ livro de cozinha foi-me oferecido quando eu teria uns 14 anos, pela Teresa Cunha.

Eu ao colo da Teresa, poucos dias antes do meu primeiro aniversário (Julho/1985).
A Teresa é a minha "tia emprestada" ‒ amiga da família há décadas ‒ e as minhas memórias das visitas à casa dela estão muito ligadas aos cheiros e aos sabores da cozinha, onde sempre foi mestre!


Andei à procura do ano da primeira edição deste livro, mas não consegui informação concreta. A quarta edição, ao que parece, data de 1940, pelo que podemos supor que a edição original datará da década de 30 do séc. XX. Penso que o design gráfico e a estrutura interna do próprio livro denunciam que se trata de uma "relíquia"; basta assinalar que está dedicado, pela autora, «Às senhoras que dirigem a vida do lar»...! Para quem tem o fascínio do retro/vintage, este é o cromo que falta nas vossas cadernetas!

Só vários anos mais tarde, outro livro de cozinha chegou à estante cá de casa (o famoso «Livro de Pantagruel»), mas antes disso, e dentro da minha (então) parca criatividade e competência culinária, «A Cozinheira das Cozinheiras» foi um bom companheiro de primeiras viagens. 

Hoje em dia, tenho alguns (não muitos) livros de cozinha, que escolho a dedo e exploro com olhar crítico. É raro seguir uma receita "à letra", do princípio ao fim; não porque me sinta mais conhecedora do que quem se dedica profissionalmente a estas coisas, mas porque sou muito intuitiva na cozinha, e gosto de ir seguindo as pistas que me vão sendo dadas pelo olfato, o paladar e a visão ‒ e pelas memórias associadas a estes sentidos.

Já não me lembro exatamente da primeira vez que fiz sopa, mas lembro-me que a fiz seguindo as indicações deste livro, e se o resultado não foi suficiente para tolher definitivamente quaisquer aspirações culinárias, foi apenas porque sou um bicho de teimosia lendária ‒ e a Teresa está aqui, que não me deixa mentir!...

A sopa é, atualmente, um elemento-chave da alimentação cá em casa. Costumo fazer sopa uma vez por semana: uma panela de seis litros, que depois divido em doses e armazeno, e que costuma garantir quatro dos cinco almoços da semana "útil". Uso quase sempre a mesma lista de ingredientes ‒ raras oscilações no elenco final podem dever-se ao que vai estando (ou não) disponível na mercearia e, consequentemente, no frigorífico aqui de casa: cenoura, curgete, abóbora, alho-francês, couve-coração e feijão encarnado. Não uso batata ‒ não porque tenha alguma coisa contra a batata, do ponto de vista nutricional (não sou fundamentalista em nada, e muito menos em relação à alimentação!), mas simplesmente porque acho que a batata é, muitas vezes, a solução preguiçosa: rápida e facilmente dá à sopa aquela textura aveludada tão apetecível, sem grandes impactos ao nível do sabor. Como faço quase sempre a mesma sopa (por questões de economia de tempo, esforço e dinheiro), tento que esta seja rica e diversificada do ponto de vista nutricional, e desafiante em termos de sabor.

Outra preocupação que também tenho é evitar, sempre que possível, descascar os vegetais. Por várias razões: por um lado, sempre ouvi dizer que uma parte significativa das vitaminas e dos minerais presentes nos alimentos está na casca; depois, porque a casca previne (ou, pelo menos, desacelera) o processo de oxidação dos alimentos pós-colheita; finalmente, porque é a opção mais económica ‒ poupa-se tempo de confeção e poupa-se dinheiro, uma vez que, quando se descasca, desperdiça-se, quase inevitavelmente, alguma polpa. Sendo uma barreira protetora para os alimentos, a casca pode conter alguns elementos mais ou menos nocivos à saúde de quem consome. Algumas formas de controlar isso: por um lado, procurar ter algumas garantias quanto à origem dos produtos que se consomem; por outro lado, ter alguns cuidados no processo de confeção. Por princípio, não uso desinfetantes ou antibacterianos sintéticos na comida (da mesma forma que também não os utilizo na higiene pessoal). Uma lavagem enérgica debaixo de água fria corrente (se necessário, com o auxílio de uma escova) é mais do que suficiente, na maioria dos casos. Uma outra opção é o recurso a desinfetantes naturais, como o vinagre branco e o limão: podem misturar-se em estado puro e borrifar sobre os alimentos, ou diluir em água, num "banho de imersão". Depois, é enxaguar bem em água limpa, antes da utilização.


A cenoura é um elemento polivalente e omnipresente nas nossas cozinhas! Compõe pratos doces e salgados, e pode ser utilizada em conservas. A sua cor viva, laranja, deve-se ao teor em beta-caroteno, que é convertido em vitamina A (importante para a saúde da pele e das células, bem como para a saúde ocular) durante a digestão. A cenoura beneficia do processo de cocção: quando consumidas cruas, apenas 3% do beta-caroteno presente nas cenouras é metabolizado no processo digestivo, ao passo que a cozedura aumenta esse valor para 39% (especialmente, com a adição de óleos alimentares, como o azeite, visto que o beta-caroteno é lipossolúvel). A cenoura é também uma boa fonte de fibra, vitamina K e vitamina B6 (ambas importantes, entre outros aspetos, para a saúde do sangue).


Adoro utilizar curgete na sopa, e em outros pratos, por causa do seu sabor suave e por causa do verde vibrante da casca. É baixa em calorias, não contendo gorduras saturadas ou colesterol. É rica em fibra e é uma boa fonte de potássio e ácido fólico. Consumida fresca, é rica em vitaminas A e C (antioxidante e potenciadora do sistema imunitário).


Sou fã da abóbora! "Faço a festa" com uma abóbora, e aproveito tudo! Um dia destes, falo mais sobre o assunto. Para resumir os benefícios da abóbora, basta dizer que, sendo da família da curgete, é também baixa em calorias, e sendo laranja como a cenoura, é também uma excelente fonte de beta-carotenos. Está carregadinha de vitaminas com poder antioxidante (A, C e E) e é também uma boa fonte de minerais como o cobre, o cálcio, o potássio e o fósforo.


O alho-francês é o parente mais adocicado da cebola e do alho. É também uma fonte importante de ácido fólico e vitaminas A, B6, C e K, para além de ferro. É importante lavar bem antes de consumir (visto que pode acumular areias), fazendo um corte longitudinal e enxaguando bem, debaixo de água fria corrente, com a parte mais verde do caule voltada para baixo (para que as impurezas escorram).


Comecei a usar couve-coração na sopa um pouco por acidente; embora a sua utilização seja bastante comum aqui no Norte, especialmente na confeção de sopas, não é tão popular no Sul. Deve o nome ao seu formato ‒ parece mesmo um coração anatomicamente correto (não daqueles mais estilizados, do Dia dos Namorados!...). A primeira vez que vi, no menu da cantina, "sopa de coração" (como é mais conhecida por estas bandas), fiquei um pouco assustada; a última coisa que me ocorreu foi que se tratasse de uma couve!... Meia chávena de couve fornece 47% do VDR de vitamina C e mais de 100% do VDR de vitamina K. Contém, ainda, magnésio e ácido fólico, para além de cálcio e potássio, sendo também rica em fibra.


O feijão encarnado é uma boa opção para garantir uma textura aveludada da sopa, sem utilizar batata, para além de também dar uma boa cor! Em inglês, chamam-se kidney beans ‒ "feijão rim", o que, olhando para eles, se compreende! O feijão ‒ tal como outras leguminosas ‒ é uma excelente fonte de proteína de boa qualidade, útil para quem segue uma dieta vegetariana ou vegan. Uma porção de 100g de feijão encarnado contém 99% do VDR de ácido fólico, sendo também rico em ferro, magnésio e zinco. Sempre que se use feijão encarnado seco, é importante ter em atenção que este contém níveis significativos de uma proteína chamada fitohemaglutinina, potencialmente tóxica, devendo ser demolhado e cozido até ao ponto de ebulição, fervendo durante pelo menos 10 minutos. A opção por feijão enlatado (pré-demolhado e cozido) anula este risco.


Visto que o processo de confeção conduz, inevitavelmente, à perda de algum valor nutricional dos alimentos, é importante não desperdiçar água da cozedura: para uma panela de 6 litros, 2 litros de água é mais do suficiente ‒ se necessário, pode sempre acrescentar-se água durante a cozedura; já retirar-se água, conduzirá sempre ao desperdício de elementos benéficos. A base da minha sopa é água, sal, pimenta preta, uma cebola grande e azeite. Quanto à adição de azeite ‒ se deve ser acrescentado no início ou no final ‒ as opiniões dividem-se. Pode dar-se alguma degradação das gorduras boas (monoinsaturadas) quando a cozedura atinge altas temperaturas (o que é difícil nos fogões/placas de uso doméstico). Pessoalmente, não noto grande diferença de sabor, entre acrescentar o azeite no início ou no fim da confeção da sopa, pelo que, por via das dúvidas, opto pela segunda possibilidade.
  
Costumo fazer sempre alguma quantidade de sopa, que depois armazeno e vou reaquecendo, em porções, durante a semana. Para garantir uma degradação mínima da sopa, é importante:
1. Deixar arrefecer completamente antes de acondicionar em embalagens e armazenar no frigorífico;
2. Utilizar embalagens de boa qualidade (se possível, de vidro ou inox, ou em alternativa, plástico de boa qualidade);
3. Dividir em porções de acordo com o que se vai utilizar ‒ para evitar que a mesma embalagem seja aberta e fechada várias vezes;
4. Se possível, ferver sempre a sopa antes de servir.
A sopa é um componente importante da dieta mediterrânica, sendo uma boa maneira de garantir o consumo de vegetais e uma boa fonte de hidratação; é também uma opção de baixo custo.

E aí por casa, como são as sopas?

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